terça-feira, 26 de outubro de 2010

Não mais, talvez

Oi poucos e queridos leitores. Bom dia, boa tarde ou boa noite. Um pouco de vento hoje não faz mal algum.. sintam.

Domingo. Depois do almoço. Dona Jussara vai até sua cômoda de madeira, antiga, uma herança materna, e de lá volta para a cama com uma caixa cheia de detalhes azuis e rosa. Na cama estão seu casal de filhos, três netos, uma irmã e uma sobrinha. A caixa é aberta e lá está o passado de volta. César, o filho, ri ao lembrar da irmã com um vestido horrível na escola. Esta, Luíza, sente vergonha por ter feito aquilo um dia. Um tempo depois e as lágrimas estão nos olhos de dona Jussara. Pedro, seu sempre companheiro, outrora tão bonito e forte no aniversário de uma das crianças, já não mais está ali para segurar sua mão. César usa a sua e a coloca junto à da mãe. Com o mesmo olhar do pai, ele também mostra a saudade. Guilherme, um dos netos, pergunta quem era ele.
Aquela caixa de fotografias traz de volta tudo que PARECE não mais existir em lugar algum. São apenas papéis, alguns coloridos, outros ainda em preto e branco, mas que tem o poder de relembrar emoções...

Não sei se em todos os lugares é assim, mas acho que em muitas casas sim. No canto de um guarda-roupas, em uma gaveta da cômoda antiga, na estante da sala, não interessa, em algum lugar não muito visível as lembranças estão escondidas. O primeiro dia de aula, o primeiro aniversário, o casamento, o neto que nasceu, o batizado, o almoço de Natal, a viagem com a família... A turma de tios sem camisa no churrasco, a avó com suas filhas em uma mesa, caretas, olhos fechados, momentos estranhos clicados. Foto desfocadas, fotos onde a metade dela não existe, foto com metade da cabeça de uma pessoa... tudo isso está dentro dessas caixas que, acredito, quase todos tem ou já viram alguma vez.

Feliz a minha geração que ainda consegue viver isso. Triste, uma das últimas. Pensava nisso dias atrás. Hoje todos tem máquinas digitais, hoje a primeira foto que o pai tira do filho é pela câmera do celular. Onde elas ficarão guardadas? Onde vai estar a emoção de 30 anos depois mostrar aquela foto, ter o cantinho da "caixa histórica"? Desculpem, mas não encontro. Podem me dizer tudo aquilo... que disseram que o rádio acabaria após a tv e não acabou, que o jornal acabaria com a internet e também não acabou... sim, sei disso, mas com as fotos.. não sou tão otimista assim.

Não confio muito que computadores guardarão minhas fotos até que eu vire um velho rabugento. Ou melhor, até que eu fique mais velho e muito mais rabugento. Tenho medo, confesso. Medo de perder o sabor da emoção de olhar uma foto e lembrar de tudo que aconteceu ali. Medo de não mostrar para os que chegarão ao mundo como isso é gostoso.

"e o que vai ficar na fotografia são os laços invísíveis que havia". Sã esses laços que sempre vejo nas fotos das minhas primeiras séries escolares. Vejo sempre minha cara de choro, minha falta de vontade de dançar na festa das mães, minha festa do livro. Tudo me faz lembrar coisas que possivelmente não lembraria se não as visse. No meu primeiro aniversário eu estive apenas marcando presença, de nada consigo me lembrar 19 anos depois, mas com as fotos sei que a minha família esteve toda lá, lembro da roupa vermelha que minha mãe usou, lembro perfeitamente do meu pai andando comigo. E, com a foto, lembro de estar dormindo no ombro gostoso do meu avô. Não saberia de nada do meu aniversário não fossem as tais fotos. Não lembraria do ombo que já não mais posso deitar. Vergonha do meu cabelo na foto da escola, saudade de um ombro. Os amigos da escola não sei por onde anda maior parte. O ombro já não posos mais usar. Mas olhando ali, sempre vou saber que estão dentro de mim.

Os laços invisíveis estão se tornando ainda mais invisíveis. Tenho medo de não ter uma caixa. Aliás, se eu tiver, um dia, será menor que a da minha mãe. O ritual de olhar e sentir, será mais rápido.

Não confio nos computadores, mas se não tiver jeito, vamos tomar cuidado com eles para que dentro de 60 anos possamos usar nosso pen drive, com detalhes azuis e rosa, levar o notebook à cama e recordar com quem não viveu.


Abraços, bons ventos.